29/01/18

... Mas gosto dele assim...

«Sempre quis ter um homem bonito, espadaúdo, valente e elegante, mas estou apaixonada por um tipo que é o contrário disso tudo…» Não sei até que ponto se trata mesmo de um motivo recorrente da canção popular da primeira metade do século XX, mas conheço algumas canções com este tema. Eis duas delas: “Er heißt Waldemar” de Zarah Leander (1940) e “Tel qu’il est” de Fréhel (1938). E, se as apresento por esta ordem não cronológica, é porque tenho mais a dizer sobre a canção de Zarah Leander que sobre a canção de Fréhel.

Zarah Leander é uma das artistas que, por serem populares durante o nazismo, foram acusadas de ser nazis. Ela sempre o negou. Aliás, também foi acusada de ser espia russa e também o negou. Seja como for, quando uma pessoa ouve os primeiros versos da canção, em que a voz feminina da canção deixa claro que o seu ideal masculino é um louro, destemido e forte, que se chame Ralf ou Per, fica-se à espera de que se siga o louvor nazi do ariano puro. Mas não, nada disso: segue-se de imediato a explicação de que o homem por quem ela está apaixonada não é nem Ralf nem Per, mas sim o Waldemar, um berlinense de cabelo preto, pobretana e que não é propriamente nenhuma estrela de cinema… Se se souber que a letra da canção foi escrita por Bruno Balz, que foi várias vezes preso pelos nazis por homossexualidade e que esteve até proibido de usar o nome como autor, pode pensar-se que, afinal, é antes uma canção a fazer pouco do ideal ariano. Os nazis, porém, não o entenderam assim — pelo menos, a canção não foi censurada.

E é possível que não seja mesmo essa a ideia de Balz, não sei... Talvez tenha querido fazer apenas uma variação sobre o tal motivo que refiro no início deste texto. Dois anos antes, Fréhel, tinha cantado um tango em que dizia quase a mesma coisa, mas de maneira bem mais divertida.



17/01/18

Cor de burro quando foge, vinho a martelo e… o pau da gávea das caravelas

Uma coisa que parece agora estar na moda é arranjar novas explicações, tão complicadas como falsas, quando não completamente disparatadas, para expressões cuja origem não é óbvia para a maior parte das pessoas.

Há, por exemplo, quem afirme que a expressão cor de burro quando foge tem origem em corro de burro quando foge (ver aqui um exemplo de um desses artigos que não diz nada que se aproveite).
Burro muda de cor quando foge??? Qual cor ele fica??? Porque ele muda de cor??? Eu queria porque queria ver um burro fugindo para ver a cor dele! Sério! O correto é: ‘Corro de burro quando foge!
Não faz grande sentido e, de facto, confunde mais do que explica seja lá o que for. Em que contexto pode «corro de burro quando foge» – frase estranhíssima, aliás – evoluir para passar a designar uma cor indefinida? Ora, francamente…

Uma hipótese menos disparatada é que, como burro pode ter designado uma cor apenas, antes de ter começado a designar o animal, a expressão derive de uma cor de burro antiga, a que se tenha acrescentado quando foge com intenções humorística, quando burro já não era senão o nome do bicho (vejam aqui). Mas é uma discussão muito especulativa, e, sobretudo, passa ao lado de um facto simples que não se pode ignorar em nenhuma proposta de explicação da expressão: tanto em castelhano como em italiano existe a expressão «cor de cão que foge», com o mesmo significado –respetivamente color perro que huye e colore del cano che fugge. Ora não me parece que perro ou cane alguma vez tenha sido, nestas línguas, nome de cor. A partir de que língua se difunde a expressão ou se vão as três buscá-la a outra língua, eis o que haveria que descobrir...

Interlúdio musical:

Outra explicação delirante do mesmo tipo é uma que há da expressão vinho a martelo, por exemplo aqui:
A expressão remonta ao século XX quando o Engenheiro Simão de Martel descreveu os dados estatísticos oficiais da produção de vinho como muito enganadores. 
Eu sei bem que estas explicações «etimológicas» são sedutoras e, como até podem parecer lógicas à primeira vista, é fácil aceitá-las. Mas eu sou um chato. Para já, quando leio «A expressão remonta ao século XX» fico logo com uma ideia clara do rigor do que segue. Num texto escrito em 2014, dizer que a expressão «remonta ao século XX» é um bocado disparate, para não dizer mais. Mas adiante…
A questão que me surge de imediato é que o facto de Simão de Martel ter criticado as estatísticas da produção de vinho (penso que isto se refere a um estudo dele de 1911 que é muito citado, mas não tenho a certeza) não explica em nada a expressão.

Ora, na realidade a expressão é anterior a Simão de Martel. Para dar um exemplo apenas, vejam aqui que, em 1885, tinha Simão de Martel 6 anos de idade, já se falava de vinho a martelo, não só em Portugal, mas também no Brasil:
Os vinhos continuam a dar que fallar de si. Uns querem que elle só seja extrahido das uvas. Outros, porém, contentam-se de que elle seja feito—a martello.  
A verdade é que não é preciso ir buscar explicações esotéricas. Infelizmente, não tenho à mão dicionários com datações de primeiras ocorrências, mas a expressão a martelo deve ser bem mais antiga. Parece-me claro que significa inicialmente «à força; à bruta» e o significado alarga-se facilmente para «mal feito, feito de qualquer maneira» e daí para «contrafeito». Como o explica, aliás, Gonçálvez Viana nas suas Apostilas aos Dicionários Portugueses, de 1906:
martelo, marteleiro
— «O paiz está cheio de mixórdias, abarrotado de vinho a martello... Sabem os poderes publicos, porque conhecem e convivem com os marteleiros» — O sentido de vinho a martelo é evidente; quere dizer «vinho aldrabado», e a locução a martelo pertencia à língua comum, querendo dizer «à fôrça», «sem dever ser».
Muita fortuna tem também tido uma explicação completamente disparatada da expressão mandar/ir para o caralho. Sobre essa, não preciso de escrever nada eu, basta-me citar a Wikipédia, que, numa nota de rodapé à discussão etimológica da palavra, a desmonta bem:
Às [as várias etimologias propostas] (…) acrescentou[-se] muito recentemente uma lenda urbana em circulação na Internet que, tanto em português como em castelhano, alega que caralho ou carajo era o nome dado ao pau maior da cesta ou gávea das antigas caravelas, e que seria essa a origem desta designação de caralho para o membro viril masculino. Tudo parece indicar que a lenda nasceu de uma tentativa de explicação para as frases "¡Vete al carajo!" ou "Vai para o caralho!", que supostamente se refiririam [sic] ao castigo que recebiam alguns marinheiros a quem se obrigava a subir à gávea, onde estavam os vigias, e aí permanecer algum tempo. O uso do termo caralho está documentado, no entanto, em épocas muito anteriores à das caravelas portuguesas ou castelhanas, pelo que se a gávea alguma vez teve esse nome era, como no caso do carall bernat catalão, por metáfora ou exagero de semelhança entre o caralho e o pau maior onde encaixava essa cesta, que seria a ponta do caralho.
É caso de dizer que apetece pôr de castigo na gávea quem inventa e difunde estas – e muitas outras – patranhas…

15/01/18

Dançar, bolçar, axandrar

[Este texto é mesmo só para quem gosta de coisas de língua. Para a maior parte das pessoas, é provavelmente uma grande seca. Quem vos avisa, vosso amigo é.]

Diz Ana Luísa Alves no ESCS Magazine que «[u]ma das particularidades da poesia de Sophia [de Mello Breyner Andresen] é a maneira simples como esta escreve a palavra dança: dansa. Com “s” porque, nas suas palavras, “tem muito mais movimento que um ‘ç’”. (…)
Tudo me é uma dansa em que procuro
A posição ideal,
Seguindo o fio dum sonhar obscuro
Onde invento o real. (…)»
Consultando-se apenas um dicionário de português (o Porto Editora, por exemplo, aqui e aqui) pode pensar-se que Sophia de Mello Breyner Andresen tem razão em escrever assim. Desde que, em quase todas as variantes do português, deixámos de fazer a diferença entre os sons que correspondiam antigamente a s e a ç ou a x e a ch1, o que justifica uma ou outra grafia é apenas a etimologia. Então, se dança e dançar vêm do francês danse e danser, porque não escrever-se dansa e dansar? A questão é complicada. Não sei a data de importação da palavra e se foi importada diretamente ou por intermédio de outra língua; mas, antes de serem danse e danser, as palavras francesas foram dance e dancier (e também dancer e dauncer) e encontra-se o equivalente ao ç em muitas línguas, do inglês dance ao alemão tanzen e ao italiano danzare. Nas línguas ibéricas, que conservaram, algumas delas a distinção de pronúncia entre s e c/z, também não é s que se usa: é danciar em asturiano, danzar em galego e castelhano.  A grafia dançar em português é antiga e parece justificada, mesmo que o ç não lhe dê o movimento ondulatório que o s lhe dá…

Há casos em que isto não é tão claro. Quando se dicionariza uma palavra, nem sempre se tem uma hipótese sobre a sua origem, e a escolha de s ou ç, x ou ch pode ser perfeitamente fortuita. Eis dois casos que investiguei recentemente, a pedido de amigos.

Bolçar
Muita gente se surpreende com a grafia de bolçar2. Os dicionários seguem o mais famoso etimologista português, José Pedro Machado, justificando o ç com um étimo latino *vomitiare (este asterisco significa que a palavra se supõe ter existido, mas que nunca foi atestada). Mas as formas antigas registadas pelos filólogos têm todas s (bomssar, bonssar, boomsar, bõssar), numa altura em que precisamente s e ç correspondiam a dois sons distintos. E é de notar também que não tem sempre havido completo acordo dos dicionaristas relativamente à grafia e etimologia –  o dicionário Lello de 1931, por exemplo, regista bolsar e a etimologia proposta é o latim versare. Ora regista-se em castelhano uma forma antiga bosar, não *bozar (o z castelhano é o que corresponde ao ç português), que também pode querer dizer «vomitar» e para a qual o Dicionário da Real Academia propõe como étimo o latim vorsāre ou versāre, «mexer, revolver, dar volta, …»  A mais antiga atestação que encontrei da forma bolçar é de 1836 (data referida no Houaiss) e creio, pois, que há boas razões para considerar bolçar uma in(o)vação ortográfica oitocentista, que nem sequer decorre, provavelmente, de nenhuma proposta etimológica, já que a proposta da etimologia *vomitiare é posterior e parece ser antes uma maneira de justificar essa grafia.

Joan Coromines é da mesma opinião que eu relativamente ao ç. No seu Diccionario crítico etimológico castellano e hispánico, na discussão de rebosar, diz Coromines sobre outra pretensa origem de bolçar, *voltiare (que me parece, apesar de tudo, proposta mais lógica que *vomitiare):
«La grafía bolçar (…) carece totalmente de valor, por ser reciente y sólo portuguesa. La generalidad de la ss en cast. y port. antiguos obliga a desechar esta etimología sin vacilaciones.» Esta e *vomitiare, pelas mesmíssimas razões3.

Axandrar
O Porto Editora regista a grafia axandrar para o verbo que classifica como transitivo e popular, e que define como «acalmar forçadamente». Muito provavelmente, quem dicionarizou o termo com aquela grafia não tem nenhuma proposta sobre a sua história que justifique o x; é, quase de certeza, uma grafia fortuita.  Mas haverá alguma boa razão para optar por x ou por ch? Talvez… Pelas razões que passo a explicar, penso que é achantrar que se devia escrever (e, por isso, escrevo com ch neste texto). Antes de explicar porquê, porém, quero referir de passagem duas questões que não se relacionam diretamente com a grafia do som [ʃ],

A primeira diz respeito à forma da palavra. A minha impressão é que achandrar-se é uma forma recente. A expressão que sempre ouvi desde miúdo foi achantrar-se, não achandrar-se. Uma discussão alargada no Facebook4 confirma esta impressão: as pessoas da minha geração ou mais velhas usam a forma com /t/5. Tratando-se de um termo de calão pouco dicionarizado (não o encontrei noutros dicionários), uma busca na Internet mostra que, como seria de esperar, que tanto a grafia como a forma da palavra são instáveis: alternam as formas com t (achantrar, axantrar) e com d (achandrar, axandrar). Em princípio, a postura conservadora que, na dicionarização,  preside normalmente à escolha de uma das formas em uso (neste caso, não se pode falar propriamente de norma culta) deveria levar, em princípio, a preferir-se a forma com /t/.

Em segundo lugar, há a questão da classificação do verbo como intransitivo e o seu significado. Nunca na minha vida ouvi o verbo usado nem transitiva nem intransitivamente. Para mim, achantrar-se é um verbo exclusivamente reflexivo. Além disso, parece-me que o significado registado no Porto Editora é distorcido (porquê «forçadamente»?) e bastante incompleto. O achantrar-se que eu conheço tem dois significados básicos distintos: 1) acalmar-se, baixar a bola; e 2) orientar-se, fazer pela vida, decorrendo também deste último achantrar-se a qualquer coisa = fazer-se a qualquer coisa ou apoderar-se de qualquer coisa. Constatei que outras pessoas têm exatamente o mesmo entendimento da palavra.

Mas passemos à questão da etimologia e grafia. A minha primeira reação, quando me consultaram sobre o tema, foi fazer uma pesquisa em castelhano6. Não encontrei a palavra, mas encontrei uma palavra muito semelhante, achantar, que significa o mesmo. Não pode ser coincidência. Ainda por cima, vi na citada discussão do Facebook, que uma pessoa «comentou a conversa q provocou este post com uma colega q tem 61 anos e ela disse-lhe que (…) “antigamente” se dizia achantar». A etimologia de achantar é clara7: do latim plantare, com uma evolução standard em galego e português. Mas como se chega de achantar a achantrar? Pois, não tenho uma resposta clara... A aceção 2 de achantrar relaciona-se facilmente com chantra, um termo depreciativo exclusivamente para as mulheres, que, se não quer dizer mesmo prostituta, quer dizer uma mulher que seduz para obter proveitos materiais. É possível que este seja o achantrar original e achantar tenha sido contaminado por ele8. Numa situação como «pronto, o gajo já se achantrou», podem confundir-se o ter-se orientado com o ter-se acalmado… Mas isto é tudo pura especulação.

[Muito ligeiramente alterado a 13 de agosto de 2023]

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1 Explico estas diferenças noutro texto deste blogue.
2 Uma discussão completa da questão seria demasiado maçuda para a quase totalidade dos leitores do blogue, pelo que resolvi não a incluir aqui. Não que esta versão reduzida não seja também chata para muita gente, mas enfim…. Agora, o que falta fazer é ver como pronunciam a palavra as pessoas que ainda distinguem ç de s. Estou um bocadinho longe de Trás-os-Montes e Beira Alta, mas talvez algum dos meus leitores se queira dar a esse trabalho….
3 Agradeço a Luís Pinto a informação sobre o dicionário Lello e o artigo de Coromines e a Helena Bastos a informação sobre a entrada do Hoauiss. Corominas não tem certezas definitivas quanto à origem de rebosar, mas parece-lhe que o mais lógico é que de versare se tenha feito reversare, que deu rebo(r)sar, donde se formou depois bo(l)sar. Parece-me uma proposta mais sensata que a de José Pedro Machado, mas não explica nem a nasalação do o (bomssar, bonssar, bõssar) nem o hiato dos oo (boomsar), nas formas medievais atestadas.
4 A discussão, que prolongava uma conversa noutro lugar, foi lançada por Shyznogoud no Facebook. Evidentemente, uma conversa destas, por muito participada que seja, tem o valor que tem… Mas serve para dar alguns indícios sobre (a variação n)o uso da palavra.
5 Pode haver, é claro, variação dialetal e socioletal. No entanto, constatei que uma pessoa da zona do Porto e sensivelmente da minha idade diz como eu e reconhece à palavra exatamente os mesmos significados que eu, criado no calão lisboeta. O calão é menos regional do que muitas vezes se pensa e este termo parece ser usado em todo o país. Aliás, o facto de muitas palavras de calão português existirem também em castelhano, ou em variantes do castelhano, indica precisamente esse caráter não dialetal do calão.
6 O calão português partilha com o calão espanhol vários termos, nomeadamente os oriundos do caló (que dá a palavra calão, aliás) e tem também vários termos em comum com o lunfardo rioplatense. Procurei, no dicionário da Real Academia e em vários dicionários de lunfardo em linha, todas as variantes plausíveis em castelhano,com ch (*achantrar, *achentrar, *achandrar, ªachandrar) e com j (*ajandrar, *ajendrar, *ajantrar, *ajentrar), que corresponderiam ao x, se este se justificasse etimologicamente. (Quero acrescentar, a propósito da forma com -en-, que se regista também achentrar-se em Portugal, embora provavelmente seja uma forma bastante marginal.) Finalmente, por descargo de consciência, procurei também em dicionários de calão francês, mas em vão.
7 Agradeço a Rui Tavares este link. Rui Tavares notou também que a palavra tem, pois, a mesma origem que o termo meridional português prantar, com o qual se pode ver também uma relação semântica.
8 A questão é, agora, a origem de chantra. Também é possível que se o possa relacionar com o calão castelhano. Um termo da gíria do Cone Sul é chanta, comum de dois, que significa «intruja; vigarista; alguém que vende gato por lebre» e que, portanto, se relaciona facilmente com chantra em português. Uma etimologia proposta é o italiano ciancia, «burla; mentira», mas também é possível relacionar a palavra com chantagem e chantagear, do francês chantage, de faire chanter, «chantagear» (literalmente «fazer cantar»). Não deixa de ser curioso que haja quem veja na origem do termo chanta o já referido (a)chantar: «La palabra chantar se utilizaba en sus inicios para reemplazar la frase "dejar plantado a alguien"». Ou seja, é possível que os dois significados do nosso achantrar atual estejam ligados entre si e a este chanta, o que nos deixa com uma questão de ovo e galinha. Quero notar que, a haver relação com as formas castelhanas, não faço ideia de como se pode explicar a epêntese do r das formas portuguesas…

14/01/18

Gavrock

Gavrock é uma palavra que eu inventei, uma amálgama de gavroche e rock – uma coisa entre, digamos, Aristide Bruant  e Ian Dury.

Há muitos anos, sonhei (literalmente – foi coisa que vi num sonho) que havia de ter uma tatuagem com esta figura, mas acabei por nunca a mandar fazer. A semana passada, a minha filha mais nova disse-me que quer ter uma tatuagem quando «tiver idade para isso» (!). Contei-lhe a história do sonho e expliquei-lhe como era a imagem sonhada, e ela achou que uma tatuagem assim havia de ser bonita. Decidi fazer o desenho, para ela ficar com uma ideia mais clara o que eu imaginara. Ela gostou muito e disse que estava decidido: um dia terá ela a tatuagem que o seu pai nunca chegou a ter.


10/01/18

Este mar

Deste mar, pode desenhar-se a mínima ondulação, talvez a ligeira escuma da ressaca, o reflexo do sol. É mais fácil desenhar as coisas que ele contém ou que o bordeiam, embarcações e pessoas que o navegam, as suas ilhas e costas, as suas praias. Mas desenha-se mal a sua essência, que é assim

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um traço reto que o separa do céu. Se se ativer o desenhador a essa concisão gráfica, à representação apenas do essencial

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ninguém saberá que é mar o que se desenha; e, por isso, ninguém se atreve a tal simplicidade

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a não ser, talvez, que ao traço reto se sobreponha ou se subponha — em qualquer sentido dessas palavras — a palavra

MAR 
Este mar
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Outros mares há mais fáceis de desenhar.